Precisamos Falar Sobre... Gentileza!

22 maio C. Vieira 0 Comments

A melhor parte da vida de um ser humano são os seus pequenos, sem nome, atos não lembrados de bondade e amor. — William Wordsworth


Já a algum tempo, eu penso que a sociedade está empacada. Vivemos ciclos rotineiros de esforços para sobreviver fisicamente; e compensamos o que falta com qualquer divertimento ou prazer passageiro e raso. Com isto, nos tornamos seres autômatos, sem conexão uns com os outros, individualizados por uma cultura que valoriza esta individualidade, mas voltada para um consumo que pasteuriza e iguala por baixo a todos. Nossa individualidade e personalização sempre é baseada naquilo que vemos ser "in" no momento. É fácil perceber que a maioria das pessoas se veste, fala e usa o que a tv, as revistas, a internet diz ser moda, tendência ou comportamento acertado.

O que escapa a isso é ultrapassado, não qualitativo para o sucesso (material, em geral) e, mais do que tudo, tolice. Por isso, quando falamos sobre gentileza todos dizem que ajudam a mudar o mundo e os ambientes, mas quase ninguém assume que não é realmente gentil


Vamos fazer um teste rápido:


Uma pessoa se sente mal no meio da rua. Você a ajuda como acredita poder, certo?

Mas... 

E aí vem o teste! Você a ajuda se:

a) For uma velhinha
b) For um morador de rua sujo e bêbado
c) For uma criança
d) For um menino ou menina com jeito de "pivete"
e) Todas as anteriores
f)  Somente a letra 'a' e a letra 'c'
g) Você ajuda todos, mas só ajuda nos casos 'b' e 'd' se outra pessoa também estiver por perto.



Qual alternativa você escolhe?...


E por que eu relaciono isto a Gentileza?...


Eu explico: Nossa forma de praticar gentileza é relativa. 

Primeiro, pensamos que devemos ser gentis apenas com quem é gentil conosco. Numa troca, barganha justa, certo?

Segundo, somos gentis com quem aparentemente merece receber gentileza (e não, não é exagero. Sem generalizar, escolhemos pela aparência quem imaginamos que receberá bem nossa 'gentileza', e, quem sabe, nos devolverá na mesma medida; o que remete a primeira explicação, certo?)

Terceiro, somos educados para imaginar que devemos tratar todos bem e que todos devem nos devolver na mesma moeda. Ou seja, seremos gentis e o resto do planeta é obrigado a ser gentil de volta.

Eu sempre pertenci ao terceiro caso. Minha educação dizia que eu deveria tratar a todos como gostaria de ser tratada, mas jamais tocava na parte de que minha atitude não obriga ninguém a agir da mesma forma. E, ainda assim, como a grande esmagadora maioria das pessoas no mundo, eu achava que era um dever que o jogo da gentileza fosse feito.

Ledo engano!

Ser gentil é algo maior do que troca de palavras e gestos altruístas. Não adianta, como todos já conhecem a história, ser gentil com um amigo e um cavalo com o atendente da lanchonete.

A Gentileza é algo que se assoma, que cresce e se desenvolve dentro de nós como algumas certezas que conseguimos ter sobre nós mesmos. Não é uma preferência por time, comida ou corte de cabelo. É algo intrínseco a um estado de desenvolvimento humano.

Somos uma sociedade chamada de doente não porque somos aparentemente mais violentos do que em tempos anteriores (quem estuda e/ou trabalha na área de História sabe que, em todos os momentos da História da Humanidade, existiram tragédias injustificadas, ou justificadas pela sede de poder). Somos chamados de sociedade doente porque esquecemos o que nos faz humanos, o que nos faz capazes de nos desenvolver mais do que os outros animais - fora de suas capacidades biológicas - o podem. Esquecemos, como sociedade, do que é realmente ser um Ser humano.

Hoje, pede-se nos currículos profissionais pessoas proativas, agressivas e/ou ousadas nos negócios,
multifuncionais, capazes de suportar pressões e de ir além de limites. Pessoas que se encaixam nestes requisitos são seres propensos a stress, explosões emocionais, narcisismo e relações vazias. Entretanto (e isto é chocante para quem reflete sobre a questão) são estas pessoas as que são valorizadas, invejadas e utilizadas como exemplo de sucesso.

Não sei se percebeu mas gentileza, solidariedade, compaixão não entraram nos requisitos, porque a sociedade considera que, apesar de serem boas características, não são aquelas que os "vencedores" tem. E isto não rege apenas o mundo dos negócios. É só ver um filme mais popular ou algo relacionado aos esportes - até mesmo a vida cotidiana de adultos e crianças - e lá estão os valores. Força, garra, determinação para vencer. Ser empática/o, compassiva/o, gentil até pode ser, mas nunca mais do que o que norteia para se ser uma/um vencedora/
vencedor.

E esta é a questão! Vencedora/
vencedor de que? Vencer a quem? Com quem estamos em guerra, brigando desde que chegamos aqui?

A resposta é a que mais dói...

A briga é conosco, mas preferimos direcioná-la a qualquer um que não seja nós mesmos.

E assim se forma/formou o mundo desde sempre. Pelas disputas, jamais pela gentileza.

Ontem, tentei reconectar minha internet e entrei em contato com a Provedora. Por eu não passar um dado que eu sei que a empresa não precisa, a atendente ficou transtornada. Eu achei aquilo engraçado e pedi a ela que ficasse calma, que era só uma conexão e não o fim do mundo. Não adiantou. E ela continuou esbravejando que eu estava atrapalhando o trabalho dela e que era por clientes como eu que ela não conseguia fazer seu trabalho.

Eu poderia "bater boca" com a pessoa e como uma "boa" má cliente rotineira despejar minhas frustrações cotidianas e raivas íntimas numa pessoa que eu sequer conhecia. A pessoa que sempre fui (
brava, rancorosa, ressentida, estressada e mau humorada) poderia tê-lo feito...


Contudo, me percebi no lugar dela; sendo cobrada por produção, sendo pressionada, sendo assediada sutilmente por não ser perfeita, sempre ouvindo ofensas que supostamente seriam dirigidas á empresa e seu mau serviços prestado e enlouquecendo aos poucos com o que sua vida se transformara. Seria fácil tomar o caminho da raiva e da disputa de egos. Eu poderia tê-lo...

Mas porque não o fiz, então?...

Porque ao me colocar no lugar dela percebi que 1) ela estava sofrendo com suas próprias escolhas, 2) ela não tem que ser gentil (ainda que seja uma atendente de call center e esta seja a "marca" do trabalho dela: aguentar esporro e birra alheia) apenas porque eu queria que ela agisse assim e que a empresa quisesse o mesmo dela e 3) eu queria falar sobre gentileza hoje e não teria como eu o fazer se não soubesse como é buscar ser uma pessoa gentil.

Ainda, que a minha cultura ocidental diga que tudo é troca - tomou, levou! -, eu posso escolher não participar desse grupo. Não estou dizendo que sou uma santa. Haha, quem me dera! Muitas vezes, me pegou xingando o que deu errado. Mas isto sou eu comigo mesma. Espalhar minha zanga porque o martelo bateu no meu dedo, ou porque a conexão da internet cai a toda hora, não me ajuda a ser melhor comigo mesma. E, sim, é de um ato de egoísmo o que estou falando. Cada vez que expando ao mundo toda a minha raiva, irritação e estupidez, isso volta contra mim como um bumerangue.

Por isso, a gentileza e sua importância.

Não, ninguém deve ser gentil com outrem esperando o mesmo. Eu acredito que cada um de nós está num nível de desenvolvimento para além do físico. E se você e a outra pessoa não estão no mesmo, você se importará em se rebaixar para dar a ela uma "boa resposta"?! 


Não é uma hierarquia, deixo claro! É uma humilde busca interior. Não tem nada a ver com religião ou não religião! Tem a ver com autoconhecimento e descoberta de si mesma/o.

E a Gentileza pode gerar isto?

Sim! Ela e mais alguns "dons mágicos" que são capazes de transformar um ogro em um Ser do Bem.

Quando dizem que gentileza gera gentileza, sei que muitas pessoas pensam logo na troca. Mas A gentileza que se gera é dentro de nós mesmos. Se cada uma e cada um parar de esperar algo em troca ao pensar, falar ou fazer ao gentil, vai começar a perceber que a danada da gentileza volta mesmo sem se ouvir um obrigado. Ela volta porque foi a energia que se jogou no mundo, foi o ato positivo, propositalmente positivo, que se lançou ao redor. E é assim que ela, a Gentileza, vai retornar.



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