Precisamos Falar sobre... Perdão, Desculpa e Sinto Muito

30 setembro C. Vieira 0 Comments

Em meio às aventuras diárias, me peguei pensando sobre como demonstramos nossos sentimentos em momentos de pesar ou de falta. Em geral, jogamos uma 'desculpa' fajuta, com o maior jeito de obrigação e não de expressão real do que sentimos. Mas por que o fazemos? Será que pensamos que pelo menos ao dizer esta palavra (como mágica) resolveremos todas as questões espinhosas à nossa frente?

Bem, acredito que fomos criados para agir assim. Pense na dificuldade dos adultos a nos acostumar a pedirmos desculpas depois de cometermos algum erro contra outra criança; imagine, então, para nos explicarem que cada palavra tem um significado mais amplo do que se pensa e, mais ainda, para uma evento ou ocasião muito específica.

Acompanhe as seguintes situações:


situação
Conhecemos alguém e juramos amor eterno (após um mês de relacionamento), porém, logo depois, outra pessoa surge no caminho. Mas, ao invés de resolvermos a questão com a primeira pessoa, na ansiedade da vida moderna (uma desculpa fajuta!), decidimos começar a sair também com a  segunda pessoa. E, então, a primeira pessoa nos flagra com a segunda. Segue-se o drama, as raivas, os sentimentos machucados e, por fim, as palavras que hoje em dia mais se usam: Me DESCULPE! Eu SINTO MUITO! Me PERDOE!

Não sei se notou, mas para uma "mancadinha" tão grande talvez apenas uma destas palavras já seria suficiente, pois apenas ELA, a palavra certa, teria a dimensão do erro. Qual é a correta?...


PERDÃO.


situação

Eu ando distraída pela livraria mais bacana do shopping (é, eu amo livros! Me processem por isso!... Brincadeirinha!) e olhando cada capa, pegando em um ou outro para ler a sinopse; e nem percebo que alguém se aproxima e... vapt!... dou uma trombada na pessoa e ainda acabo pisando no pé da/do desavisada/o. Eu arregalo os olhos assustada e brava comigo mesma por ser tão desastrada, digo: Me DESCULPE!


Penso em dizer mais alguma coisa, mas será que apenas DESCULPA não seria suficiente?...


E vamos à última situação:  

Vou ao hospital visitar uma pessoa querida que se acidentou/adoentou e ficará uns dias hospitalizada. Eu levo flores (?) e chego com um sorriso solidário ao quarto. Ao parar em frente à pessoa, penso em algo a dizer.
O que devo dizer?
Me desculpe? Não, não cabe na situação! Se eu não tiver provocado o acidente/doença.
Me perdoe? Mas eu não fiz nada para colocar aquela pessoa ali! (Exceto regrinha acima!) Então o que sobra?
Minha mente clareia e eu digo: Eu SINTO MUITO!


Não sei se entendeu mas o que eu quero explicar é que usamos as palavras erradas para tentar demonstrar: a) uma empatia que podemos ou não sentir, b) tentar nos safar de uma situação constrangedora e/ou c) dar a entender queremos nos desculpar exageradamente como forma de demonstração de culpa. E, para isso, nos utilizamos de termos que "estão na moda". E não, não é porque sicrano ou beltrano fala que é o mais lógico (nem precisa ser o gramaticalmente correto) a ser usado.

Por causa dos filmes/novelas/hábito cultural e da globalização (que força a se ter o conhecimento de uma segunda língua), as pessoas passaram a utilizar termos como 'desculpa' e 'sinto muito' não apenas com o mesmo sentido, mas para tudo. Do deslize em ter dois "amores verdadeiros" (é válido um outro textão para falar sobre a o conceito de exclusividade e sua (i)lógica) a uma visita de apoio a alguém conhecido. Também tem a gíria 'foi mal' para dizer tudo isto ao mesmo tempo.

Mas esse monte de falação tem alguma importância? Afinal, é tudo sinônimo mesmo!...

Mas não é!

Uma pessoa conhecida estava falando de um assunto sem sequer ter conhecimento sobre. Achismo puro. E eu expliquei didaticamente a discrepância do que a pessoa dizia. Porém a pessoa não só não entendeu como começou a usar sua história (sem nada a ver com o assunto) para afirmar que estava certo. Bem, eu novamente (e pacientemente) expliquei a situação, complementando com dados, encerrando a discussão que ia acabar em briga. A pessoa terminou a noite amuada, talvez por pensar que ninguém havia prestado atenção em seu dramático relato sobre a infância perdida.

Bem, eu me senti triste pela pessoa pois percebi que o assunto fez com que se lembrasse de fatos ruins passados. Então mandei-lhe uma mensagem pelo Whatsapp dizendo: "Eu sinto muito pelo assunto ter te trazido memórias tão dolorosas."

A pessoa respondeu dizendo que eu não precisava me desculpar por nada. Que já havia se esquecido do assunto.

Aquilo me gerou uma surpresa e a percepção de que o receptor não entendeu a mensagem. Ou seja, a língua portuguesa atual é usada de uma maneira tão surreal que você pode demonstrar empatia pela dor de alguém mas a pessoa pode achar que você se desculpa por algo (?).

Eu quebrei a cabeça tentando descobrir porque as pessoas assumem que o significado errôneo de uma palavra é o certo. E a resposta é exatamente porque além de toda a cultura que absorvemos do nosso grupo social, pegamos também a dos filmes, novelas e etc.



Nos filmes (em inglês), quando um personagem comete um erro, ele diz: "I'm sorry!". 
E quando outro morre, eles dizem novamente, "I'm sorry!". 
E quando erram feio (como quando o Bono Vox esqueceu o aniversário da esposa dele e teve de fazer uma música e um clipe pedindo perdão), diz-se, também, em inglês: "I'm sorry!". 



Ou seja, eles usam a expressão para tudo. então, é algo que se tornou construção linguística aceita da língua inglesa. Mas pensem bem, como vocês dizem, por exemplo, "Saudade" em inglês? Existem pelo menos 11 maneiras "aceitas" de entender-se, em inglês, algo que se parece (mas não é exatamente) com Saudade: nostalgia. Quando se pesquisa a palavra, em inglês, em um site popular como a Wikipedia, sai isto sobre saudade:


Então, como é que vamos reduzir três palavras em português que indicam graus e situações diferentes a uma só (porque é cool)?! 
E as pessoas ainda acreditam que porque apenas traduzem uma palavra que culturalmente que americanos e inglês se habituaram a utilizar de uma maneira, devemos copiar.

Não, não deveríamos.

Se você deu uma mancada (como o Bono), peça Perdão. Desculpas é pouco. Eu sinto muito não deve sequer ser cogitado. Porque não importa se é você quem diz, mas sim se a pessoa vai captar sua empatia ao dizê-la.

Se pisou no pé de alguém, peça desculpas. É educado e legal falar isto.

E o sinto muito, deixe para quando for a um hospital ou enterro. Porque 'eu sinto muito' significa que você sente EMPATIA pela dor da outra pessoa, mesmo não sendo a causa do sofrimento. Ou seja, é palavra para se usar em solidariedade e não pra despejar em cima da/o menina/o que te pegou com outra/o garota/o (no caso de vocês terem um acordo de exclusividade mútua prévia, ok?).

Não acho que deva ser regra. Claro que não! Afinal, a língua está sempre sendo modificada pelas aproximações e distanciamentos que ocorrem entre os grupos socioculturais. Mas se for mal entendida/o numa conversa, explica que cada um é cada um. E um bom "português" pode criar a paz, a reconciliação e a harmonia com quem precisa.



P.S.: Ainda vou falar breve, claro, sobre a outra metade deste assunto: perdoar e desculpar.
 

Beijo no coração!

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