E Sobre a Terra, a Liberdade Havemos de Fazer - Resenha O Fascismo Eterno

02 junho C. Vieira 0 Comments




"O fascismo não possuía nenhuma quintessência e sequer uma só essência", explica Umberto Eco.
"O fascismo era um totalitarismo fuzzy. Não era "uma ideologia monolítica, mas antes uma colagem de diversas ideias políticas e filosóficas, um alveário de contradições."

Daí vermos tantas características nos fascistas que não são similares as de sua gênese italiana. Hoje, o fascismo se liga principalmente ao eu antes do todo, fala e luta por deuses que são mais ligados ao neoliberalismo do que a doutrina pensada mas não executada por Mussolini de um "Estado ético  e absoluto".
Os fascistas de hoje querem dinheiro e bens para ostentar, gritam palavras de ódio contra quem brada por pão e vida mas, na verdade, apenas querem o modo de existência que invejam de ricos e dos países europeus.
Apesar das particularidades, como de acordo com interesses, optarem por uma crença religiosa, mesmo que não não a pratique em si, o deus do fascista moderno é o Mercado de Ações, por exemplo; mesmo que nada se entenda do assunto, as flutuações cambiais são a energia que fazem o fascista de hoje gritar contra programas públicos de ajuda social e exigir "Estado mínimo", "meritocracia", e outras falas que coadunam-se mais com um pensamento distorcido sobre o liberalismo do que com uma teoria precisa como o nazismo foi/é.
É um fato que este último foi regurgitado pelo fascismo mas as semelhanças não se mantém após isto pois enquanto o original não mantinha objetivos claros (como bem disse Eco, era uma "colagem de diversas ideias políticas e filosóficas"), o nazismo era preciso em seu ódio.
O "partido fascista [italiano] nasceu proclamando sua nova ordem revolucionária, mas era financiado pelos proprietários de terras", mostrando uma pseudofilosofia caótica e dúbia ao invés de uma teoria focada ou mesmo racional. Umberto Eco fala,  como exemplo, da arquitetura e de prêmios que eram mantidos por fascistas incultos ou se não incultos, validados por seu nacionalismo exacerbado. E este ponto é importante pois o Saber, algum nível de conhecimento ou mesmo o respeito à fatos não são necessários pois  o fascismo era o culto ao "irracionalismo" da ação pela ação. "Pensar é uma forma de castração. Por isso, a cultura é suspeita na medida em que é identificada com atitudes críticas."
"Da declaração atribuída a Goebbels (“Quando ouço falar em cultura, pego logo a pistola”) ao uso frequente de expressões como “Porcos intelectuais”, “Cabeças ocas”, “Esnobes radicais”, “As universidades são um ninho de comunistas”, a suspeita em relação ao mundo intelectual sempre foi um sintoma de Ur-Fascismo", pois a capacidade de refletir sobre a realidade gera a crítica o que de errado é este desvario que até mesmo não deveria ser chamado de 'ideologia' pois ele condena o pensamento de qualquer tipo que gere crítica em si.
Condena-se a modernidade e por isto, a critica que a gera. Os avanços tecnológicos podem ser utilizados em proveito próprio mas a Ciência em si com seu criticismo é condenada, pois ela gera hipóteses, teses, antíteses e sínteses e o empirismo em si leva a crítica, dando a volta e retornando ao que o fascismo repudia: o pensamento crítico.
Repudiar o pensamento critico é não abrir espaço para distinções,  para o que é diferente. Por isso, por definição o fascismo é racista.
Outro ponto que Eco ressalta é de onde o fascismo pode surgir: da classe média, frustrada por alguma crise - como a econômica - ou humilhada por pressões sociais que causem desequilíbrio sobre a frágil e repulsiva pirâmide socioeconômica de uma sociedade. A ascensão de pobres por meio do consumo ou acesso à um determinado nível de Educação gera o afloramento de ideias fascistas em reação advindos de uma completa ignorância abraçada a atos impulsivos e irracionais. Ver História do Brasil 2013-2021.
Pra fazer valer estes ideais, o fascismo,  segundo Eco, se vale de um nacionalismo fabricado por meio da xenofobia, onde a riqueza e/ou poderio (mesmo que fictício) de algum povo estrangeiro possa ser usado para gerar ódio (a estrangeiros em geral, vazio de origem e de propósito) contra ele. Além disso, há o ensejo a a ideia de uma "guerra permanente" onde se vive para lutar; o culto ao elitismo onde a esterilização social ocorre por meio do desprezado a um grupo imediatamente inferior (daí, por exemplo, a "necessidade" quase obsessiva da classe média em odiar os pobres mesmo estando mais perto deles do que da classe rica). Bem como ocorre a ideia de heroísmo como norte de vida e juntando este à noção distorcida de guerra permanente, vemos florescer o Machismo (que vai desde o desprezo as mulheres até a homofobia por ligarem a homossexualidade a ser mulher), algo que em si é também distorcido, fabricado, pois o machismo e tanto forma de opressão de mulheres quanto de controle de homens enquanto ferramentas usadas para oprimir mulheres.
Eco nos lembra que não há direitos dentro do Ur-Fascismo pois a qualidade de não o possuir é que supostamente tornava o grupo superior. Porém, a vontade uma parcela pequena ou de apenas um individuo deveria ser aceita como a vontade do todo. Assim, extinguem os parlamentos,  os sindicatos, as associações civis pois eles "não são necessários". A voz do líder é "a voz do povo" mesmo que ele fale contra o próprio povo, segundo o Ur-Fascismo.
E um claro e contundente lembrete sobre os dias atuais em um certo território abaixo da linha do Equador:
"Cada vez que um político põe em dúvida a legitimidade do Parlamento por não representar mais a “voz do povo”, pode-se sentir o cheiro de Ur-Fascismo." E se o Parlamento abraça e concorda com tal expressão, o Ur-Fascismo se evidencia por completo.
"Devemos ficar atentos para que o sentido das palavras ["liberdade", "ditadura"] não seja esquecido de novo. O Ur-Fascismo ainda está a nosso redor, às vezes em trajes civis", ternos bem cortados, bem como "sob as vestes mais inocentes. Nosso dever é desmascará-lo e apontar o indicador para cada uma de suas novas formas — a cada dia, em cada lugar do mundo."


Sulla spalletta del ponte
Le teste degli impiccati

Nell’acqua della fonte
La bava degli impiccati
Sul lastrico del mercato
Le unghie dei fucilati
Sull’erba secca del prato
I denti dei fucilati

Mordere l’aria mordere i sassi
La nostra carne non è più d’uomini
Mordere l’aria mordere i sassi
Il nostro cuore non è più d’uomini.

Ma noi s’è letta negli occhi dei morti
E sulla terra faremo libertà
Ma l’hanno stretta i pugni dei morti
La giustizia che si farà.

Franco Fortini

 

Até a próxima!

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